domingo, 31 de março de 2013

O medo





Em verdade temos medo. 
Nascemos no escuro.
As existências são poucas;
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
Vadeamos.
Somos apenas uns homens e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.
Refugiamo-nos no amor,
Este célebre sentimento,
E o amor faltou: chovia,
Ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
Nos dissimula e nos berça.
Fiquei com medo de ti,
Meu companheiro moreno.
De nos, de vós, e de tudo.
Estou com medo da honra.
Assim nos criam burgueses.
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?
Vem, harmonia do medo,
Vem ó terror das estradas,
Susto na noite, receio
De águas poluídas. Muletas
Do homem só.
Ajudai-nos, lentos poderes do
Láudano.
Até a canção medrosa se parte,
Se transe e cala-se.
Faremos casas de medo,
Duros tijolos de medo,
Medrosos caules, repuxos,
Ruas só de medo, e calma.
E com asas de prudência
Com resplendores covardes,
Atingiremos o cimo
De nossa cauta subida.
O medo com sua física,
Tanto produz: carcereiros,
Edifícios, escritores,
Este poema,
Outras vidas.
Tenhamos o maior pavor.
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.
Adeus: vamos para a frente,
Recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,
Eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
Dançando o baile do medo.



Carlos Drumond de Andrade



O que penso do medo...
Já falei em outra oportunidade que o medo é o impulsionador ao progresso, à evolução humana. Veja bem... Por medo da exposição às intempéries e inimigos o homem criou abrigos para sua proteção. 
O medo da fome fez surgir a agricultura. O medo fez surgir a ciência que estuda o comportamento humano e suas patologias. 
O medo fez... E por aí vai... 
O homem é impulsionado pelo medo muito mais do que superficialmente imagina. Lendo esse poema, percebo que comungo dos mesmos conceitos que Drummond! O homem "cria" sob a espada do medo! 
Fosse vivermos no Paraíso, nada se precisaria mudar, porém, com tudo isso se combate o fim, mas não a causa. 
O que causa o medo? 
Ainda hoje o homem repete seu comportamento aprendido a se defender do ambiente inóspito somente os seus e a si mesmo. A inconsciência da unicidade humana leva a essas atitudes egoístas. Medo do que não se conhece, medo do próprio auto-conhecimento. Mas o medo leva a dois tipos de atitudes: Coragem ou covardia. 
Até hoje, parece que somente a covardia levou vantagem, pois tudo o que existe são atitudes isolacionistas - toda a civilização está baseada em organizações várias, mas todas elas frutos da covardia, tornando-nos cada vez mais solitários, neuróticos a desenvolver essa civilização com soluções que camuflem a nossa covardia! Necessário é mudar! Uma atitude de coragem - uma só! 
Coragem de conhecer profundamente o outro, se conhecer, entender que a nossa sobrevivência depende disso mais do que nunca! Uma civilização sem fronteiras, o bem comum precisa deixar de ser encarado como uma utopia, mas uma gritante lei primeva da humanidade, sob pena de extinção.

Dulceny z

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