sábado, 14 de junho de 2014

Como se fora brincadeira de roda


Algumas considerações acerca do que vem a ser Liderança. 


Ao me encontrar diante do fato de ter que discorrer sobre o tema Liderança e também diante dos textos pesquisados, fui remetida às minhas remotas lembranças, ainda na infância, um episódio que veio a marcar toda a minha forma de agir desde então. Não que antes não assim agisse, mas foi meu primeiro gesto ante um grupo onde me lembro, uma atitude minha veio a influenciar decisões de um grupo. 

Aos meus nove anos de idade, cursando o terceiro ano do grupo escolar (assim estruturado na época), antes de entrarmos à sala de aula, brincávamos no pátio da escola. Pique - esconde, pega-pega, brincadeiras de roda e tudo o mais que a imaginação infantil é capaz de inventar. 

Naquele dia estávamos a formar uma roda com as colegas de classe. A roda ia aumentando a cada momento até que uma garota, a Cândida, extremamente tímida, retraída, se chegou e entrou na roda, pegando na mão de outras duas colegas. Mal começamos a cantar e girar e uma das garotas, a Cristina, filha de uma professora da escola, se interpôs entre a roda e a Cândida afirmando que ela não poderia brincar conosco. Apontou a Cândida e disse: 

- Ela não! 

Fiquei aturdida ante ato tão proibitivo e perguntei por que motivo. 

Como resposta, informou ela que a Cândida estava com a blusa do uniforme rasgada e que por isso não estava à altura das colegas de roda. 

Mais ainda eu não conseguia entender o que isso diminuía a outra como ser humano. Afinal, a Cândida recebera aquele uniforme da própria escola, sendo ela uma criança carente, sem pais com posses para comprar seu uniforme - naquela época havia a caixa escolar, onde os alunos eram inscritos de acordo com a renda familiar e a escola fornecia a merenda, uniforme e material escolar. 

Assim sendo, sua blusa (artigo de doação), fora recebida com um pequeno rasgo, o qual foi cerzido cuidadosamente e a meu ver em nada a descompunha ao convívio social. Levei alguns segundos a registrar as informações. E, acostumada à convivência com parentes meus de várias classes sociais, de fazendeiros a colonos, vivendo em casas de madeira com chão de terra batida, para mim, todos me eram igualmente queridos, não tive dúvidas. 

Tomei a mão da Cândida e falei ao grupo: - "Vou brincar com a Cândida. Se alguém entre vocês achar que não há nenhum problema em que ela, por que está com a blusa cerzida, brinque de roda com a gente, venha e vamos formar outra roda.". Fiz isso disposta a brincar de corrupio se ninguém se dispusesse a se juntar a nós, mas para minha surpresa, uma a uma deixou a roda em que estavam e vieram a brincar com a Cândida e comigo até bater o sinal para a aula. 

A Cristina naquele momento ficou arrasada, por uns dias não se dirigiu a mim, mas ao longo da nossa vida escolar (sempre caíamos na mesma sala), acabamos por nos tornar boas colegas, fizemos alguns trabalhos em equipe juntas. Há pouco tempo encontrei com sua mãe que me abraçou efusivamente pelo encontro, me contando novidades da Cristina e que sempre se lembram de mim em suas conversas, assim como eu também não as esqueci. 

Quanto à Cândida, na verdade não tínhamos um relacionamento de coleguismo, como falei antes, ela era muito retraída e depois desse episódio passamos a nos cumprimentar apenas, ela ainda assim não venceu sua timidez, mas senti que em seu íntimo ela estava mais segura, nos olhávamos com um sentimento de confiança mútua. 

Essa lembrança me segue vida afora, com ela aprendi que nossas atitudes, o poder de convencimento que somos capazes de ter, a habilidade no uso das palavras, pode influenciar uma ou muitas pessoas, isso é bom? 

Penso que a quem tem essa "facilidade", o cuidado é multiplicado, precisamos ter a perspicácia, o entendimento, a empatia, senso de justiça, tudo isso traduzido em atitudes pautadas na ética acima de tudo. A responsabilidade é grande, o trabalho árduo, ininterrupto, dada à mutabilidade da condição humana. Perseverar, jamais desistir e aceitar as escolhas de cada um, afinal, esse é o papel de um líder, deixar que outros cresçam e assumam responsabilidades, que tenham seus potenciais desenvolvidos e também possam vir a liderar outros grupos ou o mesmo, afinal a vida é um caminho ascendente. A cada dia uma nova etapa, um novo caminho e no hoje, a satisfação do trabalho realizado ontem, porque ele foi feito com o compromisso de ser executado da melhor forma possível. 

Dulceny Cerqueira Leite 


Escrito no ano de 2008



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